quinta-feira, 7 de abril de 2011

MARCELO CAMELO LANÇA NOVO CD














Não é o concreto ou o dinheiro, que se impõe de maneira mais categórica lá do que aqui. Ou a presença de artistas paulistanos como Hurtmold e Marcelo Jeneci. Quando o carioca Marcelo Camelo compara seu novo CD, "Toque dela" (feito em São Paulo, onde mora há dois anos), ao anterior, "Sou", do tempo em que ainda vivia no Rio, ele vê sobretudo uma diferença de umidade.

- "Sou" é mais úmido - afirma o artista, enquanto se vê a chuva atrás dele, pela janela do Bar Urca. - Como o nosso corpo é formado na maior parte por água, a umidade mistura você ao ambiente, enquanto que a secura te coloca mais íntegro com relação ao lugar.

São Paulo, portanto, define "Toque dela" - apesar de três canções terem sido compostas no Rio, entre elas "Três dias", que o desenhista André Dahmer, seu amigo, apresentou como ideia bruta e ele lapidou. Mais do que a cidade de São Paulo, porém, é a vivência dela que Camelo vê representada no CD.

" As pessoas entendem o valor de uma barra de ouro, mas não entendem o valor de Bethânia declamando poesia. Da mesma forma, pensam que é justo baixar música de graça "
- O disco é mais sobre meu apartamento do que sobre a cidade. É meu bairro, meus amigos. Minha São Paulo. Uma cidade mais pacata, mais cordata no trato pessoal - explica. - Ficar parado no Rio é diferente de ficar parado em São Paulo. Aqui, você vive uma vida muito hedonista, enquanto que lá há um vento que te lança para as coisas. No Rio, se você quiser alguém para fazer uma capa de disco, vai ter dois profissionais. Lá você tem 70. Qualquer microssemente que você joga brota. O Rio tem uma coisa que remonta à vinda da corte para cá, a distribuição de títulos de nobreza... Todo carioca se sente meio barão. A beleza da cidade também colabora. E há o calor e a umidade, que derretem qualquer moralidade, qualquer formalidade, qualquer fronteira entre o possível e o impossível.

O foco, da cidade para o apartamento, pode continuar se fechando. A solidão, íntima e próxima em "Sou", aparece distante em "Toque dela", em versos como "Solidão eu já vivi".

" E me entendem [os músicos que o acompanham]. Posso pedir a eles coisas como um som 'mais pôr do sol' sem parecer um hippie idiota "
- Essa comparação faz sentido. Mas para falar mais sobre ela, teria que falar muito sobre mim - diz o compositor, que afirma que seus discos dizem muito a seu respeito. - Em "Sou" (de 2008), estava numa situação de remanso na vida, até porque havia parado com o Los Hermanos depois de anos. É um disco mais reflexivo, que vai mais fundo. "Toque dela" é menos assertivo nos mergulhos estéticos. É mais caminhada, mais arejado, mais de passagem. É mais fácil de gostar, mais próximo de uma linguagem tradicional.

Mais próximo, mas não entregue a ela. Seja em rock ou marcha, os arranjos de intenção orquestral são repletos de detalhes e caminhos surpreendentes. As texturas cruzam o cornet de Rob Mazurek e o Hurtmold com as participações de Jeneci (piano e acordeon), Kassin (guitarra e banjo), Thomas Rohrer (rabeca) e Mallu Magalhães (a namorada de Camelo faz um discreto coro), além de naipes de cordas e metais. O próprio Camelo se desdobra em instrumentos como violão, guitarra, clarone, baixo e uquelele.

Sem os Hermanos, Camelo parece ter adotado o Hurtmold como sua banda base - assim como Mazurek, eles estiveram em "Sou" e o acompanharam na turnê do disco.

- (O baterista) Maurício Takara toca com a soltura do instrumental livre, a firmeza do rock e o suingue de música brasileira. O Fernando (Cappi) tem contracantos na guitarra que lembram o violão sete cordas. São excelentes músicos. E me entendem. Posso pedir a eles coisas como um som "mais pôr do sol" sem parecer um hippie idiota.

" Tom Zé diz que faz sua música porque é incapaz de fazer outra. Eu também poderia dizer isso, mas não é só. Porque não sei fazer o que o Black Eyed Peas faz, mas também não quero. O que uns entendem como ode à precariedade pode ser ode à humanidade, à incompletude "
Quando reflete sobre a umidade de seus discos, a impossibilidade do absoluto ("Até a cor verde é uma interpretação, a forma como a retina lê uma frequência de luz") ou seu desejo de criar, na música, uma paleta de cores brasileira ("Que reflita nossos cheiros e luz, dialogando com a sensibilidade universal"), Camelo tem consciência de que é percebido por muitos como um "hippie idiota". E vê aí um sintoma de algo maior.

- Há pessoas muito burras, não há sinestesia. Falo algo assim e a pessoa (faz um risinho afetado e bobo com a mão na boca): "Ih, olha o doidão". Hoje a arte é vista com um olhar que busca o pitoresco. O portal tem a notícia do elefante que morreu entalado com um avestruz no rabo e procura o que no meu disco pode entrar ali do lado. Apareci três vezes no "Fantástico": quando fui agredido por Chorão, quando comecei a namorar a Mallu e quando Jim Capaldi gravou "Anna Júlia" - lista Camelo, que também reage a quem vê no seu trabalho um louvor ao precário. - Não gosto é da maquiada, de dar à coisa um ar de supercoisa. Tom Zé diz que faz sua música porque é incapaz de fazer outra. Eu também poderia dizer isso, mas não é só. Porque não sei fazer o que o Black Eyed Peas faz, mas também não quero. O que uns entendem como ode à precariedade pode ser ode à humanidade, à incompletude. Ou à verdade, se é que ela existe.

O compositor acusa, no fundo dessas questões, o que chama de "fundamentalismo materialista". Um pensamento que sustentaria a reação ("De uma classe média dateniana, com um caráter denuncista escroto") à autorização dada pelo Ministério da Cultura para que o blog de poesia de Maria Bethânia captasse R$ 1,3 milhão. E o recente debate em torno dos direitos autorais.

- As pessoas entendem o valor de uma barra de ouro, mas não entendem o valor de Bethânia declamando poesia - afirma. - Da mesma forma, pensam que é justo baixar música de graça, não pagar direito autoral em baile de carnaval... Sem música de Braguinha você não faz baile! O segurança ganha, o cara que vende confete ganha, só o autor, que dá sentido àquela festa, não ganha. Nesse debate, estou à direita da direita. Se for questionar propriedade, questiono primeiro a da barra de ouro, um elemento químico que existe independentemente de nós.

Fonte: oglobo.com

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